Depressão é um distúrbio afetivo muito comum resultante da interação de diferentes mecanismos e com distintas repercussões sobre a natureza e o organismo humano. Entre as várias hipóteses neuroquímicas criadas para explicar a sua etiologia, uma das principais é a teoria das monoaminas, vertente que propõe como causa da depressão a menor funcionalidade dos transmissores de monoaminas - noradrenalina e 5-hidroxitriptamina (5-HT ou serotonina) - em algumas áreas do cérebro.
Ainda que a teoria das monoaminas não seja capaz de explicar a fisiopatologia da depressão em sua totalidade, a principal via de tratamento farmacológico se pauta na modulação da transmissão monoaminérgica, a exemplo do mecanismo de ação dos fármacos inibidores seletivos da captura de serotonina (ISCS).
Quando se usa um ISCS, objetivamos aumentar a quantidade de serotonina, que se encontra diminuída nas sinapses. Contudo, logo nas primeiras semanas de tratamento, não se observa o efeito esperado em relação aos sintomas depressivos. Mas por quê?
Nos primeiros dias de tratamento, o fármaco atua no neurônio serotoninérgico bloqueando o transportador de serotonina, responsável pela (re) captação da serotonina liberada na fenda sináptica. Com o bloqueio, a quantidade de 5-HT aumenta na sinapse, ficando esta livre para interagir tanto com os receptores pós-sinápticos, quanto com os autorreceptores (5-HTA1A), presentes na região somatodentrítica do neurônio que a liberou.
A interação de 5-HT com os autorreceptores 5HTA1A gera dois efeitos importantes: - Inibição da liberação de mais neurotransmissor na fenda por feedback negativo;
- O aumento de 5-HT extracelular aumenta a expressão de autorreceptores 5-HTA1A (estes estão mais sensibilizados nos depressivos!).
Devido a esses fatores, o fármaco não consegue aumentar a quantidade de 5-HT de forma efetiva na fenda sináptica, uma vez que sua liberação está inibida pela ação dos autorreceptores. E para se observar os efeitos desejados, é necessário aguardar em média 4 semanas, quando passa a ocorrer dessensibilização (taquifilaxia) e diminuição da expressão de autorreceptores.
A fim de se entender um pouco mais sobre o mecanismo de ação e efetividade dos ISCS sobre o ser humano, é importante salientar que existem diferenças individuais no tempo de (re) captação (ou transporte) de serotonina da fenda sináptica. Podemos classificar os indivíduos em captadores ou transportadores rápidos, moderados e lentos.
Em azul, os "lentos", que ficam maior tempo na sinapse (indica maior efetividade da sinapse). O "rápido" limpa em menor tempo a sinapse e corre maior risco do tratamento não ser efetivo e isso vai, por sua vez, influenciar em como o indivíduo reage ao ISRS.
Como a serotonina é produzida no organismo?
- A partir do triptofano (sim, aquele presente no chocolate e que te deixa feliz!). No entanto, nem todos o transportam efetivamente para o meio intracelular. Por isso, nem todo mundo fica tão alegre quando consome esse alimento.
O triptofano proveniente da alimentação é captado pela célula por meio de um transportador. No citoplasma, enzimas (representadas por estrelas e à direita da imagem abaixo) agem sobre ele até a formação da serotonina. Déficit em qualquer dessas enzimas causa prejuízo à síntese de 5-HT, contribuindo para a ocorrência de alterações neuroquímicas.
Dado interessante: o estresse pode inibir todas as enzimas necessárias para a produção de 5-HT (um dos mecanismos que explicam o papel do estresse na depressão!).
Depois de sintetizada nos neurônios do núcleo dorsal da rafe, a serotonina (representada em amarelo) é armazenada em vesículas. Se o neurônio serotoninérgico for ativado, a vesícula contendo 5-HT se funde à membrana plasmática, e o neurotransmissor é liberado na fenda sináptica. Uma vez livre, ele ativa o receptor pós-sináptico (Azul), que dispara a sua resposta.
Já a serotonina excedente na fenda segue dois destinos:
- pode se ligar ao transportador (em verde, 5-HTT) que faz sua recaptação (etapa bloqueada pelos ISCS). A partir da rcaptação, uma parte da 5-HT será reciclada e outra parte será metabolizada (em 5-HIAA) pela monoamina oxidase (MAO).
- pode se ligar aos autorreceptores 5-HTA1A. Este mecanismo, apesar de não aparecer na imagem acima, foi explicado no início deste post. Esse caminho funciona como um freio de mão para que mais neurotransmissor não seja liberado na fenda.
Dado curioso: A administração de um agonista de autorreceptor 5-HTA1A pode provocar depressão.
Em resumo, se alguém tomar um inibidor de recaptação de serotonina, a quantidade desta aumenta na fenda; e como mecanismo regulatório, aumenta, também, a quantidade dos autorreceptores que inibem a liberação da serotonina para o meio extracelular.
Em pessoas com depressão, os autorreceptores se encontram muito mais sensibilizados; e os receptores pós-sinápticos para a serotonina, reduzidos. E quanto mais demorado for o diagnóstico de depressão e o início do tratamento adequado, menor se torna essa quantidade.
Felizmente, após 4 semanas de uso, o fármaco começa a ser efetivo, pois aumentam tanto a dessensibilização dos autorreceptores quanto a quantidade de receptores pós-sinápticos para 5-HT. Assim, a depender positivamente dos fatores intraindividuais, o tratamento apropriado tem sua eficácia pronunciada no comportamento e psique do paciente.
Comments